por Zuymyo Joshin Sensei
Às vezes erguemos a cabeça para a imensidão e beleza ao nosso redor, às vezes olhamos para baixo, para nossa infelicidade. Tudo bem, perfeito, não precisamos olhar apenas por um dos lados, o do seshim simplesmente maravilhoso, pois o seshim é tudo que surge, bons e maus momentos, realidade, ilusões. É Buenos Aires, 9 de março, 1996, terceiro dia de um seshim, período intensivo de meditação.
Antes de ser monja eu gostava muito de escalar montanhas, e quando comecei a fazer seshins pensei que as duas atividades eram semelhantes. Quando vamos escalar uma montanha levantamos cedo, enchemos a mochila e começamos a caminhar com os amigos. No caminho a mochila vai ficando mais pesada, o trajeto mais difícil, e nos perguntamos se chegaremos ao fim. Por que decidimos colocar tanta coisa na mochila e fazer esse tipo de passeio? Devo estar louca! Mas não temos mais opção, no alto da montanha a única opção é continuar. Chegamos a um pequeno refúgio, deitamos as mochilas no chão e bebemos água fresca de um riacho. Que vida maravilhosa!
Quando comecei a fazer seshim pareceu escalada de montanha, mas dez vezes mais duro. De manhã levantamos felizes e quando sentamos o zazen é maravilhoso, mas continua e continua o dia, o tempo passa, começamos a nos aborrecer com as horas intermináveis, até perguntar, "Por que estou aqui?" Zazen é mais penoso do que escalar montanhas. às vezes achamos que não vamos poder continuar. Mas precisamos continuar. à noite pensamos, "Este é o melhor momento da minha vida". Isto é seshim. No seu transcorrer, vamos percebendo mais pontos em comum com escalar montanhas. Ao escalar usamos uma corda para atingir a próxima meta, e como estamos com uma pessoa experimentada a nos guiar, confiamos nela, sabendo que outras pessoas já passaram por isso e nós também vamos conseguir. No seshim é a mesma coisa, temos de confiar nas pessoas responsáveis pela organização. É a mesma coisa porque precisamos de nos ajudar mutuamente. Se estamos num momento difícil, quem já passou por isso pode nos ajudar.
Da próxima vez, nós ajudaremos outras pessoas.
Num seshim, todos os que compõem a sanga tornam-se um só corpo. Aquilo que nos afeta, afeta a toda a sanga. O que temos na mente, o que fazemos, nossos movimentos, nossa maneira de agir, afetam toda a sanga. Mas não precisamos fazer desta constatação uma sobrecarga, temos apenas de nos sentir responsáveis para com os outros. Podemos pensar que estamos juntos como os dedos de uma mão, bela e agradavelmente. Devemos pensar que nossas ações vão ajudar a todos, não somente no seshim, mas também na vida cotidiana. Mas no seshim podemos compreender isso mais facilmente porque somos um grupo pequeno e com laços muito fortes. Quando uma pessoa se empenha no seshim, todos são auxiliados por seu esforço. Este é o espírito bonito e importante do seshim, uma montanha que estamos escalando, temos de continuar subindo pois é uma questão de vida ou morte, não apenas de vir, tranqüilizar a mente, relaxar, praticar zazen. Precisamos entender o grande mistério da vida e da morte, e no seshim entramos em nós mesmos e neste problema.
Esta não é uma questão só minha, mas de cada um de nós. Além das aparências e das ilusões, precisamos compreender o que é a vida e a morte, e para isso precisamos estar juntos, pois não se trata de uma questão que alguém possa responder sozinho. No budismo isso leva o nome de interação, e significa que o que eu fizer terá conseqüências sobre todo o mundo. Sou responsável por minha vida, mas também pelos outros, não por sentimento de culpa, mas de responsabilidade. O pequeno grupo da sanga é como um grupo experimental, onde tal prática fica mais fácil. Mas é claro que devemos levar o ensinamento para a vida cotidiana.
Sabemos, por experiência própria, que o nosso estado mental influencia todo o ambiente. Se vocês moram com a família, com outras pessoas, sabem que se acordarem um dia de mau humor isso se espalhará por todos ao seu redor. Não somos apenas uma pessoa, mas um pequeno reflexo de cada um. Estamos ligados pela mesma corda, como se escalássemos uma montanha. Essa é a experiência mais forte do seshim, o mais duro caminho, de onde nascerá o sentimento de compaixão. Se consigo entender que cada pessoa está ligada a mim através dessa corda, numa situação de vida e morte, entendo como somos a mesma pessoa. O ponto de partida para a compaixão é poder reconhecer o sofrimento do outro em mim, e o meu sofrimento no outro. Sem isso não existe compaixão, pois compaixão é tornar-se um com a outra pessoa. Esse é o ensinamento de Buda.
Quando observamos outra pessoa, quando sentimos o sofrimento dela no zendo, quando vemos sua alegria, quando percebemos que até certo ponto temos as mesmas atitudes, emoções, dificuldades, alegrias e facilidades, então podemos partilhar a compaixão. Não existe alguém dando compaixão a outro, o que existe é compaixão fluindo. Por isso introduzimos hoje a recitação do Sutra de Kanzeon no início e no fim do samu (período de trabalho coletivo). Kanzeon é o nome japonês de Avalokitesvara, o bodisatva que representa a compaixão, cujo nome significa Aquele que ouve os lamentos do mundo.
É difícil ouvir os lamentos alheios, porque estamos sempre gritando mais alto e só conseguimos ouvir os nossos próprios lamentos. Por isso nos voltamos para Kanzeon, o que significa que tentamos abrir nosso coração para a compaixão. A representação de Kanzeon ajuda-nos a compreender a compaixão, que não está longe de nós mas aqui mesmo, ao nosso alcance. Quando recitamos que da manhã à noite somos um com Kanzeon, estamos dizendo que tentamos abrir o coração o dia inteiro: da manhã à noite tentaremos abrir o coração para outras pessoas. Quando dizemos, "eu me sinto um com Kanzeon", estamos dizendo "eu me sinto um com cada pessoa". Se não for pela compaixão, não vale a pena ficar sentado no zafu.
Talvez tenha sido com essa intuição que deixei de escalar montanhas para me tornar monja, porque senti que a compaixão é ampla, muito mais ampla do que o Himalaia. Mas também sua prática é mais difícil. Precisamos entender que temos de nos esforçar. Os seres humanos nunca conseguem nada facilmente, não sei por que é assim, é um mecanismo do mundo. Se olharmos para nossa vida, perceberemos que tudo nos chega em meio a dificuldades, e que, freqüentemente, em meio ao sofrimento, uma coisa maior nos chega.Quanto mais você se dá no seshim, mais recebe. Mas é difícil ir além de um certo ponto. Um texto chinês antigo fala disso. O Tratado do Tesouro Precioso, nome da história escrita há uns doze séculos, diz que "existem dez mil caminhos que conduzem à iluminação, e cada um deles é apenas um pequeno instante. Um pássaro paira no céu entre duas nuvens. Um peixe descansa nas águas do mar. O primeiro nunca conhecerá a imensidão do oceano. O segundo jamais verá a vastidão do céu. Os praticantes se afastam do grande caminho e entram em veredas insignificantes. Obtida certa quantidade de mérito com algum esforço, desistem antes de chegar ao destino, sem jamais alcançar a dádiva da felicidade essencial".
E este é o problema desses doze séculos, como persistir em nossos esforços e conhecer a imensidão do céu e a vastidão do mar. O texto diz que quando obtemos uma certa quantidade de méritos, paramos e entramos em veredas pequenas, insignificantes, ou seja, perseguindo ilusões. Começamos a dizer, Eu sei. Aprendemos algo e, sem parâmetro de comparação, cremos descobrir grande coisa. Para nós é como a descoberta de um tesouro, interrompemos a busca pensando no que obtivemos, desconhecendo a insignificância desse tesouro comparado à vastidão do céu onde podemos voar.
Este é o significado do seshim, não pare, não pare quando alcançar alguma coisa, lembre-se que está no meio da vida e da morte, escalando, nalgum lugar, uma vasta montanha. Não é porque encontrou um lugar estável que pode parar. Precisamos continuar escalando. O grande problema é pensar que esta pequena descoberta é "minha", isto é "meu". Esse pensamento nos separa dos outros. Seja o que for que pensemos ter conseguido num seshim, quando pensamos no que é "meu" não conseguimos nada. Não há imensidão, vastidão, nem sequer compaixão nesse pensamento.
Passamos a vida toda procurando coisinhas para dizer "isto é meu". Mas o objetivo do seshim não é esse, no seshin precisamos ir mais profundamente e compreender toda a conexão que temos uns com os outros. Essa é uma das razões de cantarmos pela manhã a nossa linhagem, numa importante recitação com a qual vamos além dos laços entre nós, sanga, neste momento, até o passado, receber os ensinamentos transmitidos de mestre a mestre. Cada um deles deu a vida para preservar e transmitir os mesmos ensinamentos, eis o laço que temos com eles, nossa vida não é somente agora, está conectada com todo o passado e todo o futuro, por isso recitamos os budas todos, do passado e do futuro. Isso é tornar-se um, uma imensidão, também, e representa pequenas quebras nos estreitos limites da nossa vida.
Somos, igualmente, um só corpo com a sanga. Recitar a linhagem sem nos determos significa que não há uma pessoa depois da outra, que somos todos um. A recitação segue como um rio e a ligação entre os mestres é ininterrupta. Esse ensinamento é grande, é uma imensidão, é o nome de todos os mestres e todos os budas.
Quando nos voltamos para Kanzeon estamos novamente nos tornando um. Na China, sua representação de bodisatva é feminina. Mas, no Japão, Kanzeon não é homem nem mulher. Está além das diferenças. Mas, no meio da escalada, ainda temos uma parte da montanha para subir. Como unir esforços para continuar a jornada? Como retornar à alegria, na aventura de estarmos juntos? Seshim é uma aventura. Embora nele surjam situações que parecem contraditórias é alegria, dificuldade, disciplina, liberdade é, todas as supostas oposições devem ser reunidas.
às vezes erguemos a cabeça para a imensidão e beleza ao nosso redor, às vezes olhamos para baixo, para nossa infelicidade. Tudo bem, perfeito, não precisamos olhar apenas por um dos lados, o do seshim simplesmente maravilhoso, pois o seshim é tudo que surge, bons e maus momentos, realidade, ilusões.
Temos de compartilhar isso com todos.
* Zuymyo Joshin Sensei é mestra zen da linhagem Soto, superiora do templo "La Demeure Sans Limites" Riou la Selle, St.Agrève, França. Desenvolve atividades regulares junto às sangas de Montevidéu, Buenos Aires e ao Sangen Dojo de Porto Alegre.
Às vezes erguemos a cabeça para a imensidão e beleza ao nosso redor, às vezes olhamos para baixo, para nossa infelicidade. Tudo bem, perfeito, não precisamos olhar apenas por um dos lados, o do seshim simplesmente maravilhoso, pois o seshim é tudo que surge, bons e maus momentos, realidade, ilusões. É Buenos Aires, 9 de março, 1996, terceiro dia de um seshim, período intensivo de meditação.
Antes de ser monja eu gostava muito de escalar montanhas, e quando comecei a fazer seshins pensei que as duas atividades eram semelhantes. Quando vamos escalar uma montanha levantamos cedo, enchemos a mochila e começamos a caminhar com os amigos. No caminho a mochila vai ficando mais pesada, o trajeto mais difícil, e nos perguntamos se chegaremos ao fim. Por que decidimos colocar tanta coisa na mochila e fazer esse tipo de passeio? Devo estar louca! Mas não temos mais opção, no alto da montanha a única opção é continuar. Chegamos a um pequeno refúgio, deitamos as mochilas no chão e bebemos água fresca de um riacho. Que vida maravilhosa!
Quando comecei a fazer seshim pareceu escalada de montanha, mas dez vezes mais duro. De manhã levantamos felizes e quando sentamos o zazen é maravilhoso, mas continua e continua o dia, o tempo passa, começamos a nos aborrecer com as horas intermináveis, até perguntar, "Por que estou aqui?" Zazen é mais penoso do que escalar montanhas. às vezes achamos que não vamos poder continuar. Mas precisamos continuar. à noite pensamos, "Este é o melhor momento da minha vida". Isto é seshim. No seu transcorrer, vamos percebendo mais pontos em comum com escalar montanhas. Ao escalar usamos uma corda para atingir a próxima meta, e como estamos com uma pessoa experimentada a nos guiar, confiamos nela, sabendo que outras pessoas já passaram por isso e nós também vamos conseguir. No seshim é a mesma coisa, temos de confiar nas pessoas responsáveis pela organização. É a mesma coisa porque precisamos de nos ajudar mutuamente. Se estamos num momento difícil, quem já passou por isso pode nos ajudar.
Da próxima vez, nós ajudaremos outras pessoas.
Num seshim, todos os que compõem a sanga tornam-se um só corpo. Aquilo que nos afeta, afeta a toda a sanga. O que temos na mente, o que fazemos, nossos movimentos, nossa maneira de agir, afetam toda a sanga. Mas não precisamos fazer desta constatação uma sobrecarga, temos apenas de nos sentir responsáveis para com os outros. Podemos pensar que estamos juntos como os dedos de uma mão, bela e agradavelmente. Devemos pensar que nossas ações vão ajudar a todos, não somente no seshim, mas também na vida cotidiana. Mas no seshim podemos compreender isso mais facilmente porque somos um grupo pequeno e com laços muito fortes. Quando uma pessoa se empenha no seshim, todos são auxiliados por seu esforço. Este é o espírito bonito e importante do seshim, uma montanha que estamos escalando, temos de continuar subindo pois é uma questão de vida ou morte, não apenas de vir, tranqüilizar a mente, relaxar, praticar zazen. Precisamos entender o grande mistério da vida e da morte, e no seshim entramos em nós mesmos e neste problema.
Esta não é uma questão só minha, mas de cada um de nós. Além das aparências e das ilusões, precisamos compreender o que é a vida e a morte, e para isso precisamos estar juntos, pois não se trata de uma questão que alguém possa responder sozinho. No budismo isso leva o nome de interação, e significa que o que eu fizer terá conseqüências sobre todo o mundo. Sou responsável por minha vida, mas também pelos outros, não por sentimento de culpa, mas de responsabilidade. O pequeno grupo da sanga é como um grupo experimental, onde tal prática fica mais fácil. Mas é claro que devemos levar o ensinamento para a vida cotidiana.
Sabemos, por experiência própria, que o nosso estado mental influencia todo o ambiente. Se vocês moram com a família, com outras pessoas, sabem que se acordarem um dia de mau humor isso se espalhará por todos ao seu redor. Não somos apenas uma pessoa, mas um pequeno reflexo de cada um. Estamos ligados pela mesma corda, como se escalássemos uma montanha. Essa é a experiência mais forte do seshim, o mais duro caminho, de onde nascerá o sentimento de compaixão. Se consigo entender que cada pessoa está ligada a mim através dessa corda, numa situação de vida e morte, entendo como somos a mesma pessoa. O ponto de partida para a compaixão é poder reconhecer o sofrimento do outro em mim, e o meu sofrimento no outro. Sem isso não existe compaixão, pois compaixão é tornar-se um com a outra pessoa. Esse é o ensinamento de Buda.
Quando observamos outra pessoa, quando sentimos o sofrimento dela no zendo, quando vemos sua alegria, quando percebemos que até certo ponto temos as mesmas atitudes, emoções, dificuldades, alegrias e facilidades, então podemos partilhar a compaixão. Não existe alguém dando compaixão a outro, o que existe é compaixão fluindo. Por isso introduzimos hoje a recitação do Sutra de Kanzeon no início e no fim do samu (período de trabalho coletivo). Kanzeon é o nome japonês de Avalokitesvara, o bodisatva que representa a compaixão, cujo nome significa Aquele que ouve os lamentos do mundo.
É difícil ouvir os lamentos alheios, porque estamos sempre gritando mais alto e só conseguimos ouvir os nossos próprios lamentos. Por isso nos voltamos para Kanzeon, o que significa que tentamos abrir nosso coração para a compaixão. A representação de Kanzeon ajuda-nos a compreender a compaixão, que não está longe de nós mas aqui mesmo, ao nosso alcance. Quando recitamos que da manhã à noite somos um com Kanzeon, estamos dizendo que tentamos abrir o coração o dia inteiro: da manhã à noite tentaremos abrir o coração para outras pessoas. Quando dizemos, "eu me sinto um com Kanzeon", estamos dizendo "eu me sinto um com cada pessoa". Se não for pela compaixão, não vale a pena ficar sentado no zafu.
Talvez tenha sido com essa intuição que deixei de escalar montanhas para me tornar monja, porque senti que a compaixão é ampla, muito mais ampla do que o Himalaia. Mas também sua prática é mais difícil. Precisamos entender que temos de nos esforçar. Os seres humanos nunca conseguem nada facilmente, não sei por que é assim, é um mecanismo do mundo. Se olharmos para nossa vida, perceberemos que tudo nos chega em meio a dificuldades, e que, freqüentemente, em meio ao sofrimento, uma coisa maior nos chega.Quanto mais você se dá no seshim, mais recebe. Mas é difícil ir além de um certo ponto. Um texto chinês antigo fala disso. O Tratado do Tesouro Precioso, nome da história escrita há uns doze séculos, diz que "existem dez mil caminhos que conduzem à iluminação, e cada um deles é apenas um pequeno instante. Um pássaro paira no céu entre duas nuvens. Um peixe descansa nas águas do mar. O primeiro nunca conhecerá a imensidão do oceano. O segundo jamais verá a vastidão do céu. Os praticantes se afastam do grande caminho e entram em veredas insignificantes. Obtida certa quantidade de mérito com algum esforço, desistem antes de chegar ao destino, sem jamais alcançar a dádiva da felicidade essencial".
E este é o problema desses doze séculos, como persistir em nossos esforços e conhecer a imensidão do céu e a vastidão do mar. O texto diz que quando obtemos uma certa quantidade de méritos, paramos e entramos em veredas pequenas, insignificantes, ou seja, perseguindo ilusões. Começamos a dizer, Eu sei. Aprendemos algo e, sem parâmetro de comparação, cremos descobrir grande coisa. Para nós é como a descoberta de um tesouro, interrompemos a busca pensando no que obtivemos, desconhecendo a insignificância desse tesouro comparado à vastidão do céu onde podemos voar.
Este é o significado do seshim, não pare, não pare quando alcançar alguma coisa, lembre-se que está no meio da vida e da morte, escalando, nalgum lugar, uma vasta montanha. Não é porque encontrou um lugar estável que pode parar. Precisamos continuar escalando. O grande problema é pensar que esta pequena descoberta é "minha", isto é "meu". Esse pensamento nos separa dos outros. Seja o que for que pensemos ter conseguido num seshim, quando pensamos no que é "meu" não conseguimos nada. Não há imensidão, vastidão, nem sequer compaixão nesse pensamento.
Passamos a vida toda procurando coisinhas para dizer "isto é meu". Mas o objetivo do seshim não é esse, no seshin precisamos ir mais profundamente e compreender toda a conexão que temos uns com os outros. Essa é uma das razões de cantarmos pela manhã a nossa linhagem, numa importante recitação com a qual vamos além dos laços entre nós, sanga, neste momento, até o passado, receber os ensinamentos transmitidos de mestre a mestre. Cada um deles deu a vida para preservar e transmitir os mesmos ensinamentos, eis o laço que temos com eles, nossa vida não é somente agora, está conectada com todo o passado e todo o futuro, por isso recitamos os budas todos, do passado e do futuro. Isso é tornar-se um, uma imensidão, também, e representa pequenas quebras nos estreitos limites da nossa vida.
Somos, igualmente, um só corpo com a sanga. Recitar a linhagem sem nos determos significa que não há uma pessoa depois da outra, que somos todos um. A recitação segue como um rio e a ligação entre os mestres é ininterrupta. Esse ensinamento é grande, é uma imensidão, é o nome de todos os mestres e todos os budas.
Quando nos voltamos para Kanzeon estamos novamente nos tornando um. Na China, sua representação de bodisatva é feminina. Mas, no Japão, Kanzeon não é homem nem mulher. Está além das diferenças. Mas, no meio da escalada, ainda temos uma parte da montanha para subir. Como unir esforços para continuar a jornada? Como retornar à alegria, na aventura de estarmos juntos? Seshim é uma aventura. Embora nele surjam situações que parecem contraditórias é alegria, dificuldade, disciplina, liberdade é, todas as supostas oposições devem ser reunidas.
às vezes erguemos a cabeça para a imensidão e beleza ao nosso redor, às vezes olhamos para baixo, para nossa infelicidade. Tudo bem, perfeito, não precisamos olhar apenas por um dos lados, o do seshim simplesmente maravilhoso, pois o seshim é tudo que surge, bons e maus momentos, realidade, ilusões.
Temos de compartilhar isso com todos.
* Zuymyo Joshin Sensei é mestra zen da linhagem Soto, superiora do templo "La Demeure Sans Limites" Riou la Selle, St.Agrève, França. Desenvolve atividades regulares junto às sangas de Montevidéu, Buenos Aires e ao Sangen Dojo de Porto Alegre.
Um comentário:
Belo texto.
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