terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Ai, meu São Silvestre!

por Marcos Caetano

Como vocês bem sabem, eu acho que todo corredor é meio maluco. Já provei isso muitas vezes aqui na coluna. Em São Paulo, principalmente, eles são ainda mais malucos. Paulista treina sábado na universidade e corre dentro de shopping center. Nada contra. Correr é ótimo e o som do Barão é sempre legal. Além dessas que eu acabo de mencionar, outra mania dos corredores paulistas é a de correr no único dia em que o mundo inteiro descansa: 31 de dezembro. A esta altura dezenas de milhares de pessoas – inclusive este dublê de corredor e escriba – estão treinando para os 15 km da sensacional corrida de São Silvestre, disputada no último dia do ano, quando o planeta repousa, mas os paulistas correm e suam. Não apenas os paulistas, mas um monte de corredores malucos que vêm de tudo quanto é canto sonhando com a subida da Brigadeiro. E tem também os espanhóis, que disputam a San Silvestre de Vallecas, bairro do subúrbio de Madri, na mesma e improvável data. Corri a prova paulista uma vez apenas, no ano passado, e posso garantir que jamais havia experimentado um ambiente tão eufórico quanto o do evento que encerra o calendário esportivo mundial.
A São Silvestre não tem qualquer relação com as provas de rua comuns. Fora os atletas de ponta, que participam de olho nos prêmios, ninguém vai lá para baixar tempo. O percurso é duro, cheio de ladeiras – e vocês sabem como eu odeio ladeiras! Pelas ruas, um mar de gente se pisoteando e acotovelando, às vezes literalmente, durante a largada. A prova, salvo um presente dos deuses do clima e da corrida, é disputada habitualmente sob intenso calor. Calor forte para os homens, que largam por volta das cinco da tarde no horário de verão, correspondente às quatro da tarde. Calor desumano para as mulheres, que largam às três da tarde do horário de verão. Duas da tarde pelo horário real! Não dá para correr no Brasil, às duas da tarde, em pleno verão. Mas as maravilhosas mulheres paulistas conseguem, o que só faz com que este carioca aqui as venere ainda mais.
Como ninguém participa da São Silvestre para baixar tempos, resta a festa. E nisso a prova é incomparável. Tem de tudo: Raul Seixas, Nerso da Capitinga, Batman, George Bush, o célebre Homem-Árvore, o famosíssimo camarada que corre sempre vestido de noiva, drag queens, garçons, bin ladens, severinos, chacretes, vendedores ambulantes, todo mundo correndo na maior paz. Fora o Homem-Árvore, que distribui perigosas galhadas para os que estão em volta dele na largada; o Raul Seixas, que trota com o violão na mão, esbarrando o adereço nas costelas dos participantes; e o Homem-Aranha, que corre que nem um filho da mãe e me ultrapassa sem um pingo de dó ou respeito, mesmo com aquela roupa quente como os infernos, nenhum outro incidente costuma ser digno de nota.
Se você é corredor e, portanto, maluco, não pode perder a chance de disputar uma São Silvestre. Se o seu negócio é uma coisa mais européia e sofisticada, vá para a de Madri, que é bacana, ainda que meio sem graça. Mas se apesar dos pesares você adora este nosso Brasil tão confuso, tão criativo, tão iconoclasta, tão caloroso, tão humano e tão insano, não deixe de correr a verdadeira São Silvestre. A nossa. A de São Paulo. A ladeira de Brigadeiro fará você estourar o champanhe com dores nas panturrilhas, mas garanto você chegará para a festa do Réveillon devidamente bronzeado e podendo comer à vontade.
Para terminar, pense nisso: os paulistas já foram até mais malucos. A São Silvestre, anos atrás, era disputada à meia-noite. O pessoal daqui está mesmo encariocando...

Nenhum comentário: