domingo, 3 de fevereiro de 2008

O drama dos fundistas no Quênia

por José Eduardo Barella

O Quênia é o país que mais forneceu fundistas campeões mundiais e medalhistas olímpicos nos últimos 40 anos. A ex-colônia britânica também ganhou fama nesse período como uma das mais estáveis e prósperas da África.

Há um mês, porém, o país mergulhou no caos depois que o resultado da eleição presidencial foi contestado pela oposição. E o que era inicialmente uma crise política virou um conflito étnico que já deixou mais de 800 mortos e ameaça exterminar a elite de atletas quenianos que mora no Vale Rift, epicentro dos distúrbios -- uma belíssima região montanhosa no oeste do país, com temperatura e altitude (2.000 metros) ideais para treinamento.

Até agora dois conhecidos ex-corredores já foram assassinados. Um deles, Lucas Sang, integrante do quarteto queniano de revezamento 4x100m em Seul-88 e que trabalhava como treinador, teve a cabeça decapitada e o corpo queimado no final de dezembro por um bando da etnia rival. No mesmo dia, Luke Kibet – maratonista campeão mundial de 2007 (melhor tempo no ano: 2h15m59s) – foi atingido por uma pedra na cabeça e só escapou por causa de seu talento de fundista. Ao perceber que seria pego pela turba, fugiu correndo. No último dia 22 foi a vez do maratonista Wesley Ngetich, de 34 anos (recorde pessoal: 2h12), ser morto por uma flecha envenenada.

Nas últimas semanas, vários fundistas interromperam o treinamento visando os Jogos de Pequim com medo de serem mortos. A maioria dos atletas de elite do Quênia é da etnia kalenjin e virou alvo da etnia rival kikuyu. Embora minoria no Vale Rift, os kikuyus dominam a política queniana e, por extensão, as forças de segurança. Ezekiel Kemboi, ouro em Atenas-04 nos 3 mil metros com barreiras com o tempo de 8m05s, seu treinador, Mose Kiptanui (considerado o maior corredor de obstáculos da história e o primeiro a correr abaixo dos 8 minutos, com 7m28s) e William Mutwol (bronze em Barcelona-92, com 8m10s) receberam ameaças veladas de policiais da etnia rival. Eles assinaram um documento, com outros 53 campeões e ex-campeões, denunciando a perseguição..

Graças ao dinheiro acumulado com corridas disputadas no exterior, os atletas de elite são alvos preferenciais no Vale Rift. Muitos deles compraram fazendas e têm um padrão de vida acima da média na região, despertando o ódio e a inveja da etnia rival. Além de ameaçar a participação do país em Pequim, o conflito pode acabar com que o país tem de melhor a oferecer ao mundo – atletas diferenciados, preocupados simplesmente em bater recordes e oferecer uma vida melhor para sua família.

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