quarta-feira, 12 de março de 2008

Autoconhecimento, superação e respeito ao escalar o Aconcágua


“O dia vinha raiando muito lento e a imagem mais maravilhosa começou a surgir... A sombra do Aconcágua no ar...”. Essa frase resume o que sentia Carla Tanaka, 36 anos, alpinista e corredora, há poucos quilômetros de se atingir o cume da montanha mais alta do continente americano e do Hemisfério Sul com 6.962 metros.
Força, determinação e superação são adjetivos que circulam nas veias desta montanhista por devoção, corredora por preparação e arquiteta (entre outros afazeres) por formação.
De acordo com Tanaka, tudo começou com o projeto 10 cumes do Brasil, que acabou virando 11 cumes nacionais e Carla foi a única a concluir TODOS os paredões do Brasil. Ela, verdadeiramente viu o país dos seus pontos mais altos com altitudes variando entre 2.665 metros (Pedra do Altar na Serra da Mantiqueira (RJ) a 2.993 metros (Pico da Neblina no Amazonas).
Ao final do projeto 10 Cumes do Brasil, Tanaka foi convidada por Flavio Kitahara a fazer o Aconcágua. E veja o que ela diz:
“Sugeri então que montássemos um projeto maior que abrangesse outras montanhas dos Andes (Projeto ArcoSul). Os Andes têm uma extensão aproximada de 9.000 km e é o sistema mais longo de montanhas do mundo. Criei este nome porque graficamente enxergava como dois arcos formando um "S" no Hemisfério Sul e de uma certa forma pode se dizer que os Andes são diversas cadeias/cordilheiras formando este sistema. E em cima desta idéia foi criada a marca do projeto”, definiu a arrojada alpinista.
O projeto ArcoSul, segundo a montanhista/corredora, tem como objetivo principal ascender ao ponto mais alto de cada país por onde se estendem os Andes. Fazem parte do Projeto, as 7 montanhas: Argentina – Aconcágua (concluída), Bolívia - Nevado Sajama, Chile - Ojos Del Salado, Colômbia - Pico Cristobal Colon,Equador – Chimborazo, Peru – Huascaran e Venezuela – Bolívar.



“Considero que um projeto começa quando você tem as primeiras idéias porque a pesquisa já começa, junto com uma preparação física, financeira e organização profissional (uma vez que somos montanhistas que, como diz um colega Cao, "no cotidiano nos disfarçamos de arquitetos, engenheiros, administradores, ...")”, diz Tanaka.

Aconcágua
A palavra Aconcágua na língua quíchua significa "A sentinela branca". Em aymará pode ser traduzido por "A sentinela de pedra". A montanha, procurada por aventureiros do mundo todo, possui três rotas com diferentes dificuldades. A Nomal, Glaciar dos Polacos e Parede Sul. Cada uma com um grau de dificuldade maior.
A rota Normal, escolhida pela equipe de cinco pessoas em que Carla compartilhou a subida ao Aconcágua, é fisicamente muito exigente e incorpora grande parte da logística de escalada aos cumes de grande altitude. Como curiosidade, a primeira escalada da rota Normal aconteceu entre 1896-1897 por uma expedição liderada pelo inglês Edward FitzGerald, dirigido pelo suíço Matthias Zurbriggen. Foram necessárias cinco tentativas, em seis semanas, antes que Zurbriggen chegasse sozinho ao cume, em 14 de janeiro de 1897, subindo uma linha direta sobre o trecho conhecido como Gran Acarreo.
Carla, 111 anos após, assim como Zurbriggen, atingiu o cume sozinha numa equipe de cinco pessoas. Eles chegaram ao Parque Nacional do Aconcágua em Mendoza, Argentina no dia 8 de janeiro de 2008.
“Escolhemos fazer o Aconcágua primeiro porque, apesar de ser o mais alto, pela via Normal, é um trekking muito pesado mas não exige um grande conhecimento em técnica de escalada em gelo. Além disso, o Flavio (amigo da equipe) já havia tentado a ascensão uma vez e havia chagado bem próximo ao cume”, disse.

Roteiro de superação
De acordo com Tanaka, da entrada do parque Posto de Guardaparques Horcones (altitude de 2.950m) até o primeiro acampamento em Confluência (3.390m) foram aproximadamente 4 horas com mochila pesando ao redor dos 20 quilos.“De Confluência a Plaza de Mulas a maior parte das pessoas vai em um dia saindo cedinho mas como saímos tarde e estávamos cansados acampamos em Piedra Ibañez uma noite. E no dia seguinte, seguimos até o acampamento-base Plaza de Mulas (4.300m). Descansamos dois dias em Plaza de Mulas e no dia 13 /01 fizemos um porteio até Nido de Condores (5.550m), isto é, levamos uma barraca para montar e deixar em Nido com comida e alguns equipamentos. E descemos de volta para Plaza de Mulas. Levamos 9 horas para subir, o que a maioria faz em 6 horas em média, estranhei as botas e subimos muito carregados, além do forte desnível, pedras soltas e a baixa oxigenação”, comentou.

Náuseas das altitudes
“Depois deste primeiro porteio, descansamos em Plaza de Mulas mais 2 dias e no dia 16 subimos para Nido novamente, nesta segunda vez, embora carregados, subimos em 7 horas. Descansamos dois dias em Nido, pois optamos por partir de Nido para o cume.
No dia 19/01 às 3h00 quando o Pedro (Boccagini, também corredor da Run For Life) me ajudou a fechar meu último casaco senti tudo escurecer e tivemos que desistir da ascensão naquele dia.
Fiquei observando se estava tudo bem todo dia seguinte,19/01, então, já não tinha nem dor de cabeça (estava aclimatada). No dia seguinte decidimos ir até o acampamento Colera (5.970m) e partir em direção ao cume de lá. Chegamos dia 20 ao final da tarde em Colera, montamos com cuidado a barraca, descongelamos muita neve para nos hidratarmos e alimentarmos e dormimos cedo. Às 3h30 do dia 21/01, estávamos levantando para nos preparar para começar a caminhada às 5h00”, declarou Tanaka.

A ascensão ao cume do gigante Aconcágua
“Encontramos com inúmeros grupos que subiam. Parecia uma procissão. Estava escuro e todos com seus bastões e headlamps dando um passo, uma respiração e um passo, uma expiração. O dia vinha raiando muito lento e a imagem mais maravilhosa começou a surgir... a sombra do Aconcágua no ar. Por volta do meio-dia, estávamos no fim da Travessia quando o Pedro disse que: “teria que voltar e que eu deveria seguir”.
Já enxergávamos a Canaleta e o cume e insisti, mas ele fez bem em voltar pois demorei ainda mais 4 horas até o cume, chegando as 16h16”, enfatizou Tanaka sua conquista exclusiva.A equipe de Carla Tanaka chegou no dia 8 de janeiro, com apenas ela chegando ao cume dia 21 (treze dias de pura aventura, superação e escalada). A descida foi mais rápida com o retorno no dia 24 em Mendoza.

Nem tudo são glórias
Subir uma montanha respeitável como o Aconcágua pode se tornar um pesadelo no retorno ao acampamento-base. Numa altitude de cerca de 4 mil a 5 mil metros para cima, os ventos gelados são intensos. E não se sabe exatamente onde, mas Carla teve um frostbite, que é, literalmente, pedaço de pele congelado. E nela, alguns dedos das duas mãos ficaram literalmente congelados e queimados.
“Algumas hipóteses para o frostbite são: o uso dos 3 pares de luvas de 5 dedos pode ter atrapalhado a vascularização de algum ponto, eu poderia estar com o cobre-luvas que eu possuía. Hoje refletindo talvez eu não devesse ter ido ao cume. Não por causa dos dedos que eu desconhecia estar sendo lastimados mas para não deixar que o Pedro descesse sozinho (que companheirismo, hein...). Os acidentes normalmente acontecem na descida, ele estava muito cansado e estava realmente sozinho pois naquela hora não haveria ninguém descendo. Conclusão, assim como tudo as bases são sempre as mesmas: preparação, alimentação, hidratação, equipamento e companheirismo”, reforçou Carla.

Descreva-nos o que você viu lá, Carla?
No trajeto de Confluência a Plaza de Mulas, o vento! E um terreno pedregoso à margem de um rio que se espalha sem força entre as pedras...
O vento!
...Um espaço amplo e longo que termina em Plaza de Mulas, um corredor limitado por esculturas altíssimas que chamamos montanhas.
Sempre o vento!
A imensa infinidade de tons de verde, marrom e negro nos faz refletir nossa pequenez e nossa grandeza, a sutileza e a força de cores aparentemente superficiais que vêm do interior, do tempo.
O vento!
A rigidez da rocha é quebrada pelo visual de grandes áreas sedimentares. Vamos nos aproximando das montanhas com neve e gelo, o vento traz o frio.
Sempre pedras, vento, frio, calor, vento, frio, gelo, neve, pedras.
Uma paisagem que nos faz refletir sobre as forças e as mudanças, conclui Carla Tanaka, corredora há dois anos, cujo seu melhor tempo nos 10 K foi 54min55seg no circuito das Estações 2007.
Em resumo Carla é um misto de corredora/alpinista/corredora/arquiteta/corredora/alpinista... cuja disciplina a leva a lugares cada vez mais altos. Recentemente, ela foi eleita presidente do Grupo Paulista de Montanhismo (GPM).

Escrito pelo jornalista e corredor Arnaldo de Sousa

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns à Carla pelo belíssimo relato e pela superação. E também ao Arnaldo que conseguiu transmitir em cada palavra o sentimento da montanhista/corredora.

Bjs,
Karine

Anônimo disse...

Obrigado, Karine pela palavras
Arnaldo

Anônimo disse...

Carla, Parabéns pela aventura! Gostaria, se você permitisse, de entrar em contato contigo, pois pretendo subir o Aconcágua em dez/08. Meu e-mail é marcio_andariego@yahoo.com.br
Um Abraço!
Márcio Roberto